Isis Tavares, Secretária de Relações de Gênero da CNTE —
A Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres acontece anualmente desde 1991 com adesão de 160 países na sua primeira edição. A Campanha inicia dia 25 de novembro, Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher, e vai até 10 de dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos, passando pelo 1º de dezembro, Dia Internacional de Luta contra a Aids e 6 de dezembro, que é o Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Desde 2003 acontece no Brasil que, para destacar a dupla discriminação vivida pelas mulheres negras, incluiu o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
Não é de hoje, quando vivemos um estado de exceção, que a pauta da luta pelo fim da violência é algo que incomoda de todas as maneiras e em todos os espaços. Mesmo naqueles espaços que deveriam refletir os discursos politicamente corretos de pessoas, instituições públicas e privadas e entidades da sociedade civil.
As primeiras campanhas pelo fim da violência contra as mulheres eram motivadas pelos crimes de assassinato que, na maioria das vezes, eram minimizados por serem juridicamente considerados, à época, crimes em legítima defesa da honra ou crimes por “excesso de amor”.
Em dezembro de 1976, ainda sob a égide da ditadura militar, a atriz mineira ngela Diniz foi assassinada por Doca Street, seu companheiro, com três tiros no rosto e um na nuca. A defesa do assassino Doca Street tratou o crime como legítima defesa da honra por excesso de amor e o júri acatou essa tese, aplicando uma pena de 2 anos cumpridos em liberdade.
Assim, a campanha “Quem ama não mata” foi lançada pelo movimento feminista à época, reforçando que um crime de assassinato jamais poderia ser interpretado como um gesto de amor. Os debates fomentados junto à opinião pública causaram mudanças e num segundo julgamento, Doca Street teve a pena alterada para 15 anos.
Nos 40 anos que separam um assassinato do outro, o que aprendemos sobre o feminicídio, crime que tira a vida de dezenas de mulheres diariamente em nosso país e sobre violência contra as mulheres em geral? Mesmo tendo altas taxas de mortes violentas de mulheres em todo o território, 40 anos depois do assassinato de Leila Diniz, e de tantos outros tão ou mais violentos à época, mas que não tiveram a mesma publicidade por razões óbvias, o que mudou?
Tivemos as primeiras eleições diretas para presidente. Fomos às ruas com caras-pintadas, exigir o impeachment de Collor, resistimos nos movimentos sociais organizados, no governo neoliberal da privataria tucana de FHC, sempre buscando ocupar mais espaços de poder e decisão que refletissem nossa presença na sociedade. Elegemos em 2002, e reelegemos em 2006, o primeiro presidente operário do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva; em 2010 elegemos Dilma Roussef, a primeira mulher presidenta do país e a reelegemos em 2014.
As mulheres foram às ruas e, como em todos os governos democráticos onde há interlocução com a sociedade, no período dos governos de Lula e Dilma as mulheres experimentaram avanços significativos nas políticas públicas que tiveram impactos diretos nas suas vidas.
A mais evidente foi no campo do enfrentamento à violência com a Lei Maria da Penha, em especial para as mulheres negras que desde o ano do início da campanha no Brasil, ainda apresentam maior índice de violência em relação às mulheres brancas. Estamos em 5º lugar em mortes violentas de mulheres, dentre 84 países no mundo. Mas mesmo com a materialidade dos dados, a Lei sofreu Ação Direta de Inconstitucionalidade e ainda hoje há quem busque alterar seu conteúdo.
Nesse contexto, foi criada a CPMI da Violência Contra as Mulheres no Congresso Nacional, instalada em 8 de fevereiro de 2012, que investigou a aplicação de políticas para o enfrentamento à violência. Essa Comissão desenvolveu seus trabalhos até 2013 produzindo um relato sobre as 37 reuniões e as 24 audiências públicas e visitas realizadas pela Comissão em 18 Estados, apresentado em 23 de julho de 2013.
No seu relatório final a CPMI propôs tipificar como homicídio qualificado, os crimes de assassinato violento de mulheres com a apresentação da Lei 13.104/2015. A Comissão também recomendou medidas de mudanças curriculares ao Ministério da Educação. Uma das propostas de caráter preventivo (PL 6010/13) determina que haja nas escolas a divulgação e a ênfase no respeito à igualdade de gênero e às minorias. Não obstante essa política específica conjugada com outras no campo da saúde, do trabalho perduraram a representação vergonhosa das mulheres na mídia, as postagens agressivas e difamatórias que visam naturalizar a violência e desqualificar não só o gênero, feminino, mas a luta das mulheres por igualdade no trabalho e na vida.
A “legítima defesa da honra” foi substituída por “legítimo direito de expressão”. A cultura machista se reinventa, se difunde e logo é assimilada avassaladoramente na sociedade e nas instituições que deveriam garantir direitos e proteção às mulheres.
Não importa se é lógico que quem ama não mata, que a violência doméstica é crime reconhecido pelo governo brasileiro, que o assassinato de mulheres é crime hediondo e que as mulheres têm potencial e capacidade de ocupar mais espaço nas esferas do poder. Sempre, as expressões do machismo se apresentam de forma grotesca e explícita, ou de forma velada e implícita, nos gestos e ações do dia-a- dia, quando percebemos que mesmo sem querer, o discurso politicamente correto de homens, seja na esfera institucional ou nos
movimentos sociais, não se aplica a nós. E sim a mulheres idealizadas ou mesmo reais, mas que não competem com eles.
E assim somos sabotadas.
No dia 21 de novembro, houve reunião da Comissão Especial que daria o parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 181 do Senado Federal, que em princípio deveria dispor sobre a licença-maternidade em caso de parto prematuro, mas que se tornou mais um retrocesso nas políticas para as mulheres ao dispor também sobre o impedimento ao direito ao aborto em qualquer circunstância, inclusive em caso de estupro. Foi retomada no dia 22 e 23 de novembro e mais uma vez adiada, fruto da organização do movimento de
mulheres que se manifestou e denunciou mais essa atrocidade para que não haja retrocessos na lei.
Mas a apresentação de emendas como esta à PEC 181, reflete a importância que as instituições do Estado dão à denúncia e ao julgamento dos crimes contra as mulheres e meninas, o que por sua vez, produz reflexos na importância que a sociedade dá às arbitrariedades dessas instituições, em especial nesta conjuntura de exceção.
Muitos homens e muitas das poucas mulheres, nas eleições de 2014, focaram suas campanhas políticas e elegeram-se a partir das políticas para as mulheres efetivadas no governo Dilma, tendo como bandeiras a defesa dos direitos das mulheres e mais avanço das políticas para as mulheres.
Muitos e muitas votaram a favor do impeachment fraudulento, a favor da lei do teto de gastos que congelou investimentos em saúde, educação, segurança e moradia em 20 anos. Votaram também na reforma trabalhista que penaliza em especial as mulheres e discutem a reforma da previdência que, mais uma vez, penalizará muito mais as mulheres.
Infelizmente as pautas de mais políticas e direitos humanos para as mulheres encampadas por esses/as parlamentares homens ou mulheres, por si só, nos marcos dessa sociedade capitalista, não mudarão as formas de sabotagem que são as ressignificações da luta pela igualdade no trabalho e na vida que, se promovem direitos, o fazem a partir de seus valores e princípios, sem a perspectiva de avançar para a emancipação humana.
Ou seja, as políticas públicas são importantes a partir do momento em que nos dão a oportunidade de avançarmos rumo a uma autonomia que nos permita participar mais ativamente e com qualidade dos rumos de nossas vidas e nos espaços de poder e decisão. Mas para isso direitos, políticas públicas de educação, enfrentamento à violência e luta contra a cultura machista devem estar conjugadas e não ser um fim em si mesmas.
Neste sentido, para prevenir e combater a violência contra as mulheres e todo tipo de violência que se encadeia e produz os comportamentos violentos, a educação torna-se fundamental. A formação dos primeiros valores, das primeiras atitudes e conflitos de convivência humana se dá na sala de aula, no convívio com a escola. A educação formal e é o espaço mais importante para desenvolver a mediação de conflitos e esses valores de respeito às mulheres, de respeito ao papel que elas realizam na sociedade e de combate a todo preconceito e a toda ação de violência.
Mas não apenas como atividades específicas em dias específicos e apenas nas escolas. Precisamos ter ações concretas vinculadas às escolas, à mídia, nos espaços institucionais, mas também o conteúdo pedagógico, na formação de professores/as e o combate e a repressão aos crimes que se realizam. É de fundamental importância termos a política de prevenção no combate cultural à toda forma de violência contra as mulheres, mas também a política de repressão àqueles que realizam agressão de forma articulada.
Dentro dos princípios que regem a Confederação Nacional de Trabalhadores em educação, lançamos no dia 14 de novembro a campanha “Saber amar é saber respeitar”. Acreditamos que a escola não deve ser apenas o espaço para construir conhecimentos específicos para a que nossos/as alunos/as tornem- se cidadãos e cidadãs que tenham mais oportunidades no mundo do trabalho. Acreditamos que a escola deve ser o espaço de construção e aprendizagem recíproca, que forme pessoas capazes de aprender conteúdos curriculares específicos, aprender e ensinar com as diferenças existentes nesta nossa sociedade tão plural e rica culturalmente e assim, junto com os títulos e conquistas na vida profissional, aprendamos fundamentalmente a nos respeitar e reforçar a cultura da paz, aprender a respeitar e aprender a amar!